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quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Fazendo as pazes


Com um jeito tímido, sem saber com que cara, foi entrando na igreja.

- Há quanto tempo...- pensou ele quando cruzou pela porta.

Na correria diária, ir a igreja parecia algo supérfluo, às vezes sem sentido, mas agora era diferente. Era segunda-feira, havia poucas pessoas na igreja, todas perto do altar, rezavam juntas, de longe ele observava sem vontade de se aproximar. Ele queria mesmo era falar com o padre, pedir um conselho, talvez se confessar.

Mas com vergonha procurou um banco afastado do altar e se sentou, não era muito confortável mas servia. Com a cabeça baixa, entre as mãos ele ficou, tinha tantos problemas para pensar, sua cabeça pesava.

Na verdade não problemas, mas dívidas. Dívida com sua mãe, com sua avó, irmão, e com as pessoas que sabia que amava e nunca havia demonstrado tal sentimento. Dívidas de amor, as piores.

Poderia ficar ali por horas, mas não, a Vida não deixa ninguém se esconder por muito tempo.

- Garoto, o que você tem?- perguntou um senhor.

Careca brilhante, um pouco de cabelo grisalho, segurava uma boina na mão, aparentava ter uns 60 anos de idade, falava de forma suave, trazia confiança.

- Problemas, problemas...

- Ah, que ótimo. Adoro problemas.

- Ah, tá sei! Isso quando não são seus.

- Que isso, gosto deles mesmo, principalmente quando são meus.

- Não entendo. Como pode alguém gostar de ter problemas?

- Simples. Sem problemas, eu me sinto velho. Sinto que a morte pode estar chegando logo ali, porque possuir problemas me faz me sentir vivo, como um garoto.

- Hum...

- Problemas de amor?

- Sim, sim.

- Hum, esses não podem esperar. Eu perdi muitos amores,perdi minha esposa, meus pais, meus filhos, amei demais, mas sinto que não foi o bastante. Nunca é o bastante.

- Que pena. Mas não sei o que, nem como fazer.

- Vá, se abra, deixe que o amor fale por você. Todos sabemos amar, nossa cabeça é que às vezes atrapalha, o tempo de amar é sempre o Agora...


Tum... Tum... Tum... e mais seis badaladas, eram nove horas.

Levantou a cabeça, assustado, havia dormido. Uma dor no pescoço por causa do mau jeito, se espreguiçou, se sentiu confuso.
A igreja agora estava tão silenciosa, havia apenas duas mulheres ajoelhadas, apoiadas no encosto do banco mais próximo do altar.
Onde estaria aquele senhor? Havia mesmo recebido conselhos dele? Ou foi apenas um sonho? Não soube responder.
Mas dentro dele agora havia uma força tão grande, esqueceu de suas vergonhas, medos, já sabia o que fazer. Era tempo de amar.

E foi-se. Sem rezar, sem se confessar, sem dizer amém, havia feito as pazes com Deus.

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