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segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Ene-a-o-til



- Não. Não dá mais – ele disse.

Então o seu mundo caiu, as estrelas se apagaram e a chuva pareceu mais forte. Não houve dialogo, tudo o que ela tinha a dizer, ficou preso em sua garganta, um coração na boca.
Ele se foi. Ela saiu caminhando para casa, com um passo lento e doído.

- Talvez fosse melhor ficar parada na rua e um carro vir e acabar com tudo - pensou ela.

Tudo bem, bem que ela tentou, imóvel, a dois passos do meio-fio esperando o choque, viu o ônibus se aproximando, não se mexeu, cada vez mais perto, mas ele parou, abriu as portas, sorte ou azar ela havia parado, uns 10 metros à frente de uma parada de ônibus.

- Aff, nem isso eu consigo - pensou ela.

O jeito então foi continuar seu caminho. Não, não, não, a palavra ainda ecoava em seu ouvido. Com sua imaginação do mundo de Bob, ela poderia imaginar um milhão de possíveis motivos, mas porque fazer isto? Nada adiantaria.
Mas sem precisar mandar sua cabeça começou a relembrar alguns dos nãos que ela já havia tomado na vida.

- Mãe compra sorvete?
- Não.
- Pai me compra uma Barbie?
- Não.
- Professora será que posso entregar depois?
- Não.
- Posso dormir fora hoje?
- Não.

Uma vida feita de nãos. Mas pensando melhor, ela pôde perceber que os nãos haviam colocado limites a seus desejos e caprichos, era uma tesoura a de quando em quando cortar a ponta de suas asas, não foi tão ruim assim, não foi mesmo, só de imaginar de quantas desventuras ela já deveria ter escapado por ouvir um não, e alias isso nunca havia a privado de sonhar e realizar alguns de seus sonhos.
Se tivesse esse poder, esse poder de dizer não, teria tomado melhores atitudes, e evitado várias gafes e armadilhas.

- Filha come essa sopa de brócolis.
- Coloca esse vestido cor de rosa para ir a festa.
- Ah querida. Você sabe que eu te amo, não sabe?

Não, não, não, mil vezes não. A chuva continuava caindo, seus passos mais leves, ela ia agora de cabeça erguida, disposta a ouvir mais um não, e melhor, disposta a dizer quantos não ela tiver vontade de dizer.
E quando chegou em casa, suspirou, guardou seu coração no bolso, e se surpreendeu ao olhar no espelho. Cabelo, rosto todo molhado, de chuva e lágrimas, mas um sorriso largo de dar orgulho.

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